What's wrong with happiness?
It is true that happiness is a good thing, that it is desired and cherished.
Fitter happier, song by American band Radiohead, sets out the formula for a happier life. A cold mechanical voice recites a list made from slogans and texts from magazines of the 1990s. Twenty years later, and we are still bombarded by these phrases about happiness, whether in advertisements, whether in self-help books. More than just assumptions, these statements appear as program triggering desires and experiences. Just obey them by having money, health and beauty, and you will attain happiness.
Projects for Happy Endings, work exhibited by Flavia Junqueira in the 2013 Project Season points out that this search for happiness is present from childhood, in the enchanted world of fairy tales. The facilities consist of about a hundred pages of various children's books, in which one reads only sentences or short paragraphs that contain the word happiness or its derivations, and which indicate the ways and reasons that made it possible for their characters to reach it. In these sentences, the three greatest achievements to have a happy ending are explained: money/fortune, marriage/love and health/healing. No matter the challenges, dangers and failures that characters have faced, no matter the puzzles and loves they have found, the finals will be always and forever happy.
To name a few, one can find in the collected pages: "they were happy and when money came to an end, in the house of Ali-Baba, he visited the cave to take some more of his never-ending money"; "The dear prince took over the kingdom and married Zelia, living since then in complete happiness"; "The soldier and the shoemaker. They shared the great fortune that the Devil had left in the cave and lived rich and happy for many, many years "; "Shortly after they married and lived happily for many years"; "The ugly duckling, now transformed into a magnificent swan, lived very happy in the company of his two brothers, the swans of the lake", "So the queen recovered her voice, the king his happiness, and the brothers their taste for life.
Beside the framed pages, there is a selection of enlarged illustrations. Also taken from the books, images are, at first, a large children's character, colourful, with monsters and castles.
The choices of the artist for these scenes, however, are due to the subtle oddities they carry. A man grabs the neck of a woman and threatens her with a dagger; a monster-tree frightens a naked person in a swamp; giant insects, including a red frog, talk in the midst of a lake; a man with an axe is about to break a mirror reflecting the image of a violinist.
Flavia’s production seems to be based on a clash between the imaginary and the real world, starting usually from the first, the world of fantasy, perhaps a utopian world. The confrontation with the true reality comes on tenuous moments, such as a body in drowsiness state that feels like falling in the world of dreams. It is during this sudden drop that the body is faced with the real world and the troubles that surround it. And through these flashes, sometimes ironic - in empty balloons and apathetic looks of earlier works In the company of objects (2008-2009) and The House Party (2009-2010), or in bizarre illustrations of Projects for Happy Endings (2013) - the ideal world of happy endings is demystified.
It´s interesting to note the use of the word project in the title of the work. According to Boris Gorys in the text The loneliness of the project, it describes project as the future that one aims to achieve. Being on a project implies being on an eternal gerund that never reaches its completion. When it comes close to the present, it soon returns to another project for other happy endings offered by fairy tales. It is like being in a carousel turning the other way round constantly, never being able to really experience true reality, living in eternal projects for happy endings.
We never find our happy endings. Here is what's wrong with happiness.
Giovanna Bragaglia
Português
O que há de errado com a felicidade?
É certo que felicidade é uma coisa boa, que ela é desejada e acalentada.
Fitter happier, música da banda americana Radiohead, aponta a fórmula para se ter uma vida mais feliz. Uma fria voz mecânica recita uma lista feita a partir de slogans e textos de revistas dos anos 1990. Vinte anos após, e somos ainda bombardeados por essas frases ditadoras da felicidade, seja em anúncios publicitários, seja nos livros de auto-ajuda. Mais do que apenas premissas, essas frases surgem como comandos de um programa acionando desejos e experiências. Basta obedecê-las, tendo dinheiro, saúde e beleza, e alcançarás a felicidade.
Projetos para Finais Felizes, obra apresentada por Flávia Junqueira na Temporada de Projetos 2013, aponta que essa busca pela felicidade faz-se presente já desde a infância no mundo encantado dos contos de fadas. A instalação é formada por cerca de cem páginas de variados livros infantis, nas quais lê-se apenas frases ou breves parágrafos que contenham a palavra felicidade, ou suas derivações, e que indiquem quais os caminhos e os motivos que tornaram possível seu alcance por seus personagens. Nessas frases, estão explicitadas as três maiores conquistas para se ter um final feliz: dinheiro/fortuna, casamento/amor e saúde/cura. Não importam quais os desafios, os perigos ou os fracassos que as personagens tenham enfrentado, não importam os enigmas ou amores que encontraram, os finais serão sempre e para sempre felizes.
Para citar alguns exemplos, têm-se nas páginas colecionadas: “foram felizes e quando o dinheiro chegava ao fim, na casa de Ali-Babá, êste ia à caverna, onde havia reservas que não se acabavam nunca”; “O príncipe Querido tomou conta do reino, e casou-se com Zélia, vivendo desde então na mais completa felicidade”; “O soldado e o sapateiro. Repartiram entre si a grande fortuna que o Diabo deixara na cova e viveram ricos e felizes, durante muitos e muitos anos”; “Pouco depois casaram-se e viveram felizes por muitos e muitos anos”; “O patinho feio, agora transformado em magnifico cisne, viveu assim muito feliz em companhia de seus dois irmãos, os cisnes do lago”, “Assim, a rainha recuperou a voz, o rei a felicidade, e os irmãos o gosto pela vida”.
Ao lado das páginas emolduradas segue-se ainda uma seleção de ilustrações ampliadas. Apropriadas também dos livros, as imagens são, num primeiro momento, de grande caráter infantil, coloridas, com monstros e castelos.
No entanto, as escolhas da artista por essas cenas deu-se pelas sutis estranhezas que carregam. Um homem agarra o pescoço de uma mulher e a ameaça com uma adaga; uma árvore-monstro amedontra uma pessoa nua num pântano; insetos agigantados, entre eles um sapo vermelho, conversam em meio a um lago; um homem com um machado está prestes a quebrar um espelho que reflete a imagem de um violinista.
A produção de Flávia parece estar apoiada num embate entre o mundo imaginário e o real, partindo quase sempre desse primeiro, o mundo da fantasia, mas que, talvez, utópico. O encontro com a verdadeira realidade surge em tênues momentos, como um corpo que, quando em estado de sonolência, parece sentir despencar do mundo dos sonhos. É nessa repentina queda que o corpo se depara com o mundo real e as angústias que o cercam. E por meio desses lampejos, por vezes irônicos - em bexigas murchas e olhares apáticos de obras anteriores Na companhia dos objetos (2008-2009) e A casa em festa (2009-2010), ou em bizarras ilustrações de Projetos para Finais Felizes (2013) - que o mundo ideal dos finais felizes é desmistificado.
Interessante ainda observar a utilização da palavra projeto no título da obra. De acordo com Boris Gorys, no texto A solidão do projeto, descreve projeto como o futuro que se almeja alcançar. Estar num projeto implica estar num eterno gerúndio que nunca atinge sua finalização. Quando chega próximo ao presente, logo retorna para outro projeto para outros finais felizes programados pelos contos de fadas. É como estar num carrossel que gira ao contrário, sem cessar, sem nunca conseguir encontrar de fato com a verdadeira realidade, vivendo em eternos projetos para finais felizes.
Alcançada nunca alcançamos. Eis o há de errado com a felicidade.
Giovanna Bragaglia