Desmedida: São Paulo, c. 1949-1954
Nos primeiros anos da década de 1950, São Paulo era um canteiro de obras, com centenas de prédios novos em poucos anos e uma população que crescia de 2 milhões para mais de 3,5 milhões de habitantes. A cidade estava repleta de edificações monumentais, como os edifícios Conde Prates e Viadutos, ambos no centro, e construções de gosto modernista, como o conjunto arquitetônico do Parque Ibirapuera. Nessa mesma época, Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu Assis Chateaubriand, encomendou a Alice Brill um ensaio fotográfico sobre a nova metrópole. Sua pretensão era lançar uma publicação comemorativa ao IV Centenário da cidade, em 1954, o que nunca aconteceu. As imagens apresentadas a seguir são parte desse conjunto.
Filha do pintor Erich Brill e da jornalista Marte Brill, Alice nasceu em Colônia, na Alemanha, em 1920; aos quatorze anos de idade, migrou para o Brasil para escapar do nazismo. Em São Paulo, frequentou sessões de modelo vivo no Grupo Santa Helena, onde conviveu e selou amizades com os artistas modernistas Mario Zanini, Paulo Rossi Osir, Alfredo Volpi, entre outros. Em 1946, com uma bolsa de estudos, seguiu para os Estados Unidos, onde frequentou a University of New Mexico, em Albuquerque, e a Art Student's League, em Nova York. Lá, optou por cursar aulas de desenho, pintura e fotografia – esta última escolhida por ser uma possibilidade de profissão quando de seu retorno ao Brasil. Sua verdadeira paixão, dizia, era a pintura, técnica que apresentou nas I e IX Bienal Internacional de São Paulo (1951 e 1967) e em diversas exposições individuais e coletivas ao longo da vida.
De volta ao Brasil, em 1948, surgiu a oportunidade de acompanhar a comitiva da Fundação Brasil Central em uma inspeção de obras pelo centro-oeste do país, o que seria um excelente início para sua carreira fotográfica. No entanto, apenas algumas de suas imagens foram publicadas na revista Habitat, na qual passou a colaborar regularmente com imagens de arquitetura, retratos de artistas e reproduções de obras. Alice também trabalhou como fotógrafa para o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e para o Museu de Arte Moderna (MAM), registrando obras de arte e exposições. Mas seu trabalho de maior destaque se realizava nos retratos de famílias da elite paulistana, no qual mostrou-se pioneira da fotografia espontânea de crianças. Por essa via, a artista modernizava o gênero, indo na contramão da fotografia de estúdio posada daquele período.
A São Paulo de Alice Brill não desacelera para posar. Não à toa, a metrópole era conhecida como a cidade que nunca parava, ou ainda, a que mais crescia no mundo. O ensaio a seguir nasce de um olhar que percorre as linhas da cidade em seu avanço incessante e desmedido. Essas linhas vão conformando um desenho ao mesmo tempo material e abstrato, que se faz ver nas bases estruturais das edificações, nos paineis à espera de um anúncio, nos fios de energia emaranhados pairando entre os postes ou ainda nos andaimes de reforço para a escultura de Victor Brecheret, Monumento às Bandeiras, futuro cartão postal da cidade. Em São Paulo, construção e desconstrução sempre coexistiram, como sugerem as imagens de Alice. Avessas à idealização, elas vão e vêm entre o esforço de um sonho eufórico de progresso e o anteprojeto ainda à espera de norte e solução.
Giovanna Bragaglia