O poema e o espaço expositivo

“A poesia parece estar mais ao lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura”, comenta Décio Pignatari em O que é comunicação poética (Ed Ateliê, 2014). A exposição Rever, retrospectiva e prospectiva de Augusto de Campos (São Paulo, 1931), apresentou como essas conexões com outros universos da arte se dão. Em cartaz de maio a julho deste ano no Sesc Pompeia, segundo o curador Daniel Rangel, diretor artístico do Instituto de Cultura Contemporânea, a mostra tinha como seu principal objetivo o reconhecimento de Augusto de Campos como artista, até então, ou não, conhecido como poeta, tradutor, ensaísta e crítico.

Primeira grande individual no país, a exposição contemplou 65 anos de trajetória do artista a partir do termo “verbivocovisual”, termo este cunhado por James Joyce, em Finnegans Wake, cuja ideia seria trabalhar a materialidade da palavra em todas as dimensões: som, visualidade e o sentido, proposta colocada em prática pelos poetas como os irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari que, desde então, vem libertando e despertando a poesia de suas amarras.

A exposição foi organizada a partir de quatro livros de Augusto: Viva Vaia (1979), Despoesia (1994), Não (2003) e Outro (2015). Cerca de 75 obras preenchiam o espaço de convivência do Sesc, desde o primeiro trabalho, o livro O rei menos o reino (1951), até os últimos envolvendo linguagens tecnológicas, de holograma a animações digitais. No livro Não (2003), ele já apontava sua vontade de ampliar a experiência da palavra em outras ambiências: “Estes poemas caberiam melhor talvez numa exposição, propostas como quadros, que num livro”.

Ao extrair a poesia do mundo do livro, o artista tensiona as palavras-coisas no espaço-tempo. Foi assim que Augusto definiu a poesia concreta, em 1956, quando participou da Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo e posteriormente no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, poetas e pintores de vanguarda expunham lado a lado, entre o quais Geraldo de Barros, Aluísio Carvão, Waldemar Cordeiro, Hélio Oiticica, Luiz Sacilotto, Alfredo Volpi e o time de poetas do “verbivocovisual”.

A procura pelo novo parece estar intrínseca na obra de Augusto em todas as áreas nas quais atua. Como tradutor, sempre buscou por obras de autores de vanguarda como James Joyce, Gertrude Stein, E. E. Cummings, Maiakóvski, Mallarmé e Ezra Pound, autor este último que atentou para as relações entre a palavra e o som. Como ensaísta, principalmente na década de 1970, sua intenção era divulgar os músicos-inventores até então, e talvez ainda hoje, pouco conhecidos no país, como Schoenberg, Cage e Stockhausen, para citar alguns.

A partir de seu domínio nas regras da língua e da comunicação, Augusto tem a liberdade de desconstruir e reconstruir a palavra, questionando ao mesmo tempo o ritmo, a métrica e a rima impostos. Assim, seus poemas-obras surgem nos mais diversos suportes na exposição. O poema viva vaia (1972) ganhou uma versão de escultura penetrável em MDF, aço e tinta vermelha que podia ser adentrado pelo público; o poema código (1973), foi transformado em uma escultura interativa, em chapa de PVC, onde as letras da palavra código eram movimentadas pelo público, codificando e descodificando a palavra dada; poemas como o pulsar (1975) e poema bomba (2003), ganharam versões em vídeo 3D, arremessando as letras dos textos contra o espectador; espelho (1993) foi impresso em um grande espelho, sugando o visitante para dentro dele mesmo; amortemor (1970) e desgrafite (1992) ganharam em dimensão, adesivados em grandes paineis brancos, como gigantes folhas de papel, aproximavam a palavra do visitante; e rever (1970), título da mostra, que já havia sido sonorizado em colaboração com Cid de Campos (filho do artista), aqui ganhou forma de um luminoso, ecoando e reverberando a palavra em luz por todo o espaço expositivo. Entre outros nessa linha, a exposição completava-se com uma extensa seleção de poemas impressos em quadros e as colagens popcretas (1964-1966) originais.

Além das obras, a mostra trouxe um extenso conjunto de informações acerca do processo criativo do artista, disposto em vitrines. Entre documentos, manuscritos e poemas originais em letra set, estavam os poemas-objetos manipuláveis, como os Poemóbiles (1968-­74) e a Caixa Preta (1975), ambos realizados em colaboração com o artista Julio Plaza (Madri, 1938 - São Paulo, 2003), enfatizando a relação de longa data de Augusto com a tridimensionalidade das artes plásticas. Ao final do percurso, o visitante era presenteado com uma extensa biblioteca para consulta livre.

Os novos procedimentos estéticos e as proporções instalativas deram aos poemas de Agusto de Campos pelo espaço expositivo carregavam encantamento, despertando a curiosidade do público e aproximando-o da palavra, na medida em que tornavam-se mais relacionais e participativos. O que poderia ser um risco, no sentido de um poder de engolir o visitante na diversão, tornou-se introdução e apoio para melhor ler, ver e ouvir a obra desse artista verbivocovisual em sua plenitude.

Giovanna Bragaglia