Alice Brill: images for anti-postcards
Throughout the 1950s, Melhoramentos publisher released a series of albums extolling parts of the Brazilian territory. This is Rio de Janeiro! (1955), This is Bahia! (c. 1953), and This is São Paulo! (1951) had been filled with images of photographers of the time, accompanied by short texts guided by an idea of diffusion of country that was heading towards progress and modernization. At that point, the city of São Paulo was about to complete four hundred years and the director of the Assis Chateaubriand Museum Pietro Maria Bardi asked Alice Brill – who had already published some images in previous publications – to produce a photographic essay on the new metropolis. The city emerged as a huge construction site, with the addition of hundreds of new buildings in just a few years, and a population that had grown from 2 million to over 3.5 million inhabitants. The intention was to launch a commemorative publication to the fourth centenary of the city in 1954, which never happened.
After spending some time in the United States on a scholarship, where she learned the craft of photography, Alice returns to Brazil in 1948, and soon comes the opportunity to accompany the delegation of Brazil Central Foundation on an inspection of works being carried out across the country's Mid-Western region, which would be a great start to her photographic career. However, only a few of her images were published in Habitat magazine, with which she started to collaborate regularly with architectural images, photographs of artists and reproduction works. Alice also worked as a photographer for MASP and MAM-SP, shooting art works and exhibitions. Her most prominent work was the photographs of São Paulo’s elite families, where she proved to be a pioneer of spontaneous photography of children. In this way, the artist was effectively modernizing the genre by going the opposite direction of studio photography in that period.
Entering the extensive and somehow disperse photographic collection of Alice Brill – there are more than 14 thousand negatives belonging to the Moreira Salles Institute collection since 2000 – one sees a dimension that, though still little known, is present throughout the trajectory of the artist. Her impressions of a world free of euphemisms, averse to the idealization of a euphoric dream of progress, Alice would never publish.
With a humanized and unassuming look, but not naive, Alice turned her camera into an undisguised daily life, overcoming the cliché ideas for Melhoramentos publisher albums. She captured not only the Wonderful City and its stunning panoramic views, but also the dissatisfaction and complaints of its mistreated people; in Bahia, she recorded, as usual, that seductive and euphoric site, but she also entered and photographed the poor slums; in São Paulo, she not only valued the monumental and unpretentious advance, but also exposed its "unhealthy" side, quoting Lévi-Strauss's words in Tristes Tropiques. No one knows for sure if these photographic collections were taken at the request of a publisher, perhaps Melhoramentos itself, or if they were results of the artist’s personal travel used as, once again, opportunities to expand her portfolio of works for submission to publishing companies.
From this other side of Alice, it would be possible to create a kind of anti-postcards album, full of revealing images of the paradoxes and contradictions of a country called Brazil. Images of landscapes by whose edges and ruins the photographer wandered, pointing characters who seem to live disengaged from any euphoric dream of that unmeasured progress. However, as explorer Marco Polo from Italo Calvino's book is imagined describing one of the cities to the emperor Kublai Khan, "if the traveller does not wish to disappoint the inhabitants, he must praise the postcard and prefer it to the present one". Perhaps this is the reason why the photographer, also a traveller and foreigner, could never disclose this dimension of her production.
Giovanna Bragaglia
Português
Alice Brill: imagens para anticartões-postais
Ao longo da década de 1950, a Editora Melhoramentos lançou uma série de álbuns exaltando partes do território nacional.Isto é o Rio de Janeiro! (1955), Isto é a Bahia! (c. 1953) e Isto é São Paulo! (1951) vinham recheados de imagens de fotógrafos da época, acompanhadas por pequenos textos pautados por uma ideia de difusão de um país que caminhava rumo ao progresso e à modernização. Nessa mesma época, a cidade de São Paulo estava prestes a completar quatrocentos anos e Pietro Maria Bardi, então diretor do Museu Assis Chateaubriand, encomendou a Alice Brill – que já havia publicado algumas imagens nas publicações anteriores – um ensaio fotográfico sobre a nova metrópole. A cidade apresentava-se como um enorme canteiro de obras, com centenas de prédios novos em poucos anos e uma população que crescera de 2 milhões para mais de 3,5 milhões de habitantes. A pretensão era lançar uma publicação comemorativa ao IV Centenário da cidade, em 1954, o que nunca aconteceu.
Após uma temporada nos Estados Unidos com uma bolsa de estudos, onde aprendeu o ofício da fotografia, Alice volta ao Brasil em 1948, e logo surge a oportunidade de acompanhar a comitiva da Fundação Brasil Central em uma inspeção de obras pelo Centro-Oeste do país, o que seria um excelente início para sua carreira fotográfica. No entanto, apenas algumas de suas imagens foram publicadas na revista Habitat, na qual passou a colaborar regularmente com imagens de arquitetura, retratos de artistas e reproduções de obras. Alice também trabalhou como fotógrafa para o MASP e para o MAM-SP, registrando obras de arte e exposições. Seu trabalho de maior destaque realizava-se nos retratos de famílias da elite paulistana, no qual mostrou-se pioneira da fotografia espontânea de crianças. Por essa via, a artista modernizava o gênero, indo na contramão da fotografia de estúdio posada daquele período.
Adentrando o extenso e um tanto disperso conjunto fotográfico de Alice Brill – são mais de 14 mil negativos pertencentes ao acervo do Instituto Moreira Salles desde 2000 – percebe-se uma dimensão que, apesar de ainda pouco conhecida, se faz presente em toda a trajetória da artista. São as impressões de um mundo isento de eufemismos, avessas à idealização de um sonho eufórico de progresso que Alice nunca conseguiria publicar.
Com um olhar humanizado e despretensioso, mas não ingênuo, Alice desviou sua câmera para um cotidiano sem disfarces, ultrapassando as ideias clichês dos álbuns da Editora Melhoramentos. Ela não captou apenas a Cidade Maravilhosa e suas panorâmicas deslumbrantes, mas também o descontentamento e as queixas de seu povo maltratado; na Bahia, registrou, como de praxe, aquele lugar sedutor e eufórico, porém igualmente adentrou e retratou os cortiços pobres; em São Paulo, não valorizou somente o avanço monumental e despretensioso, mas expôs seu lado “não saudável”, para usar a expressão de Lévi-Strauss em Tristes trópicos. Não se sabe ao certo se a realização desses conjuntos fotográficos foi comissionado por alguma editora, talvez pela própria Melhoramentos, ou se eram resultados de viagens pessoais da artista usadas como, mais uma vez, oportunidades para ampliar seu portfólio de apresentação ao mercado editorial.
A partir dessa outra face de Alice, seria possível criar uma espécie de álbum de anticartões-postais, repleto de imagens reveladoras dos paradoxos e das contradições de um país chamado Brasil. Imagens de paisagens por cujas bordas e ruínas a fotógrafa perambulou, apontando personagens que parecem viver desencaixados de qualquer sonho eufórico daquele progresso desmedido. Mas, como diz o Marco Polo de Italo Calvino ao descrever uma das cidades ao imperador Kublai Khan, “para não decepcionar os habitantes, é necessário que o viajante louve a cidade dos cartões-postais e prefira-a à atual”. Eis aí, talvez, o motivo pelo qual a fotógrafa, também viajante e estrangeira, nunca conseguiria divulgar essa dimensão de sua produção.
Giovanna Bragaglia